terça-feira, 3 de maio de 2011

Marcos Jank: "A gasolina vai matar a indústria do etanol"



Dinheiro – O setor de etanol corre o risco de apagão. O preço ao consumidor dobrou em menos de 12 meses e falta combustível em várias regiões. De quem é o erro?

Marcos Jank – Ao contrário do que muitos pensam, ninguém está ganhando com o preço do etanol do jeito que está. Quando o preço supera 70% do valor da gasolina, os consumidores deixam de abastecer com etanol e passam a utilizar gasolina. Então, não somos culpados pelo que está acontecendo. Não somos nós que fazemos o preço. É um problema de oferta e demanda. Houve duas quebras de safras consecutivas, uma pelo excesso de chuva, outra pela falta. Somou-se a isso um crescimento extraordinário da frota de veículos bicombustíveis. Toda essa sequência de fatores causou falta de etanol, disparada de preço e preocupação de desabastecimento.

Então, sempre que chover acima ou abaixo da média haverá problemas?

Se nos preparamos melhor para os imprevistos climáticos, podemos evitar problemas. São Pedro não senta na mesa de negociação quando projetamos o cultivo ou fechamos contratos. Sabemos que, por um lado, a oscilação de preço é ruim. Por outro, sob uma visão mais positiva, essa é uma crise boa.
É uma crise de crescimento, assim como acontece com o setor aéreo ou o setor energético.
Mas, tanto no setor aéreo quanto no de energia elétrica, não houve uma disparada de preço.
Nos últimos seis anos, o etanol esteve na maior parte do tempo abaixo da paridade de 70% do preço da gasolina. Se o etanol não existisse, os brasileiros teriam gasto cerca de R$ 20 bilhões a mais com abastecimento. Então, o País economizou bastante com a possibilidade de ter dois combustíveis. Sem falar nos ganhos ambientais, na saúde pública e na geração de um milhão de empregos em 20 Estados.



Por que a produção não acompanhou o consumo? As usinas subestimaram o crescimento do mercado?

De 2000 a 2008, crescemos 10,3% ao ano. Quando veio a crise, um terço do setor enfrentou graves dificuldades financeiras. O que aconteceu foi que a maior parte dos investimentos se dirigiu para a aquisição de empresas com problemas. De 2008 para cá, crescemos apenas 3% ao ano. O consumo disparou e a produção não acompanhou.

Superada a crise de 2008, para onde foram os investimentos?

O nosso setor tem todos os ingredientes para atrair investimentos. Temos um gigantesco mercado de carros flex em crescimento, possibilidade de ampliar a exportação, potencial para novos usos, como o plástico verde. O problema é que os investimentos pararam porque o etanol perdeu competitividade frente à gasolina. A gasolina tem preço fixo desde 2005, a R$ 1,10 na refinaria e chega ao consumidor acima de R$ 2,50. Esse valor na refinaria é mantido artificialmente pelo governo. Neste momento, a gasolina está subvalorizada. Tanto é que a gasolina importada é mais cara do que a gasolina nacional. A política de não mexer no preço da gasolina acabou afetando o nosso setor porque houve um significativo aumento dos custos de produção do etanol.

Mas a gasolina do Brasil já é uma das mais caras do mundo. O governo deveria, mesmo assim, autorizar reajuste?

A ideia não é essa. Reconhecemos que o consumidor paga caro pelo combustível na bomba. É caro porque há muitos impostos. O preço da gasolina nos postos é alto, mas na refinaria é equivalente ao dos demais países. Se o governo não quer mexer no preço da gasolina, que olhe para o setor de etanol com mais atenção. Queremos uma taxação reduzida, como acontece com o diesel. Além disso, estamos propondo reduzir o IPI dos carros flex.

E se o governo não mudar a política de tributação do etanol e mantiver o controle sobre o preço da gasolina?

Se não se fizer nada, diante dessa concorrência em que a gasolina artificialmente precificada é mais vantajosa do que o etanol, com certeza a gasolina vai matar o setor de etanol em alguns anos. Quando o preço do etanol supera 70% do valor da gasolina, as bombas ficam às moscas.

Vocês querem subsídios?

Nada a ver com subsídios como os que aconteceram nos anos 1970. O que precisamos é de suporte para quando os preços oscilarem. Os preços do etanol flutuam bastante. O petróleo flutua. Mas a gasolina não. E está cada vez mais claro que o governo não quer mexer nisso por questões de inflação. Precisamos de incentivos.

Qual incentivo?

Todos os Estados deveriam reduzir o ICMS para 12%, o mesmo do diesel, como fez o governo de São Paulo. Hoje, o etanol recebe o mesmo tratamento tributário da gasolina, que tem mais de 20% de ICMS. Isso faz com que a metade do consumo de etanol produzido pelo País fique concentrada em São Paulo. Nos demais Estados, o etanol não é competitivo.
Em São Paulo, mesmo com ICMS em 12%, não compensa abastecer com etanol.


Historicamente, compensa. Nos últimos anos, o etanol levou vantagem sobre a gasolina. Em poucos dias, com o início da safra, o preço cairá.
Mas se o setor já não consegue produzir etanol para suprir a frota de carros flex, com estímulo ao consumo haveria um cenário ainda mais grave de desabastecimento, concorda?

Não. Se o ICMS fosse reduzido, seria possível ter margens maiores no preço do etanol. Isso atrairia investimentos e, assim, aumentaríamos a produção. Para nós, seria bom que o preço do etanol fosse atrelado à cotação do petróleo. Daria mais segurança.

O aumento da p
rodução de açúcar não ajudou a agravar a crise?

A mídia saiu falando erradamente que deixamos de produzir etanol para produzir açúcar. Não é verdade. O que houve de migração de etanol, que virou açúcar, é a metade do que se perdeu em razões climáticas. Em 2000, a gente usava 50% da cana para etanol e 50% para açúcar. A partir de 2008, a proporção foi 60% para etanol e 40% para açúcar. O número atual é 55% etanol e 45% açúcar.

Por que não se reduz a produção de açúcar?

O preço é bom. O Brasil hoje representa 50% do mercado mundial de açúcar. De cada quilo comercializado no mundo, meio quilo é brasileiro. Esse setor trouxe, em 2010, US$ 13 bilhões de saldo comercial. É o quarto produto da pauta de exportação. Precisamos encontrar medidas que estimulem um setor, sem prejudicar outro.

O governo já fala em colocar a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para controlar o setor de etanol. Isso é bom?

Nós nunca tivemos problemas com isso. Criou-se uma ideia de que o setor era contra o controle. Quem vai controlar a gente, é problema do governo. Queremos saber é que tipo de regulação será feita. Fixação de preços, proibição de exportação e de taxação sobre o açúcar são políticas equivocadas.

E se o governo criar um teto?

Nós já temos um teto, que é 70% do valor da gasolina. Indiretamente, já somos regulados. A gasolina é um mercado de monopólio. Só assim é possível estabelecer um preço fixo. O etanol não.

Teremos uma crise do álcool nos próximos anos, como a dos anos 1970?

Nas
décadas de 1970 e 1980, faltou etanol. Os carros, porém, eram só a álcool. Hoje, os carros são flex. Isso promove o ajuste dos preços. O consumidor não é refém do etanol. O preço só chegou a R$ 2 porque não tinha produto na entressafra. Deve voltar a custar menos de 70% da gasolina. O preço do etanol nas usinas, que chegou a R$ 1,60, tende a recuar para perto de R$ 0,90.
Sem alarde, o Brasil importou etanol de milho dos EUA para evitar um colapso, o mesmo etanol que tem sido criticado.
De fato, tivemos de importar 200 milhões de litros de etanol de milho americano, no início de abril. Mas isso foi menos de 1% do que o Brasil produz. Foi apenas para suprir o consumo de uma semana. Uma questão pontual. Por outro lado, exportamos 1,5 bilhão de litros na mesma safra. Quando se produz commodities agrícolas, é preciso ter um mercado livre. Uma hora ou outra, será preciso comprar de fora.

Se faltou etanol para o consumidor, o governo não deveria ter reduzido a mistura de 25% de álcool na gasolina?
Não resolve. Isso é muito menos efetivo do que ampliar o programa de financiamento de estoques. O importante é não mudar demais a regra do jogo. Isso gera muitas incertezas.
O consumidor vive muitas incertezas em relação ao etanol...

É uma decepção que fez parte do jogo. É preciso evitar voo de galinha. Forçar o etanol a ficar barato e ter uma nova quebradeira de usinas, como aconteceu em 2006, não faz sentido. Queremos que as empresas cresçam de forma mais harmônica. Durante muito tempo o etanol foi vendido abaixo do custo de produção, por menos de R$ 1 na bomba. O que o consumidor não quer é volatilidade. Vou passar a semana em Brasília com ministros para encontrar saídas. O fato é que concorrer com a gasolina administrada, não dá (Isto É Dinheiro, 4/5/11)



Nos últimos anos, o etanol tem sido utilizado como um dos principais cartões de visita do País no Exterior. Foi assim com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é assim com Dilma Rousseff.
Até meses atrás, o combustível de cana-de-açúcar tinha um inegável apelo comercial. Hoje, aos olhos do consumidor, o etanol é um ‘mico’. O litro na bomba supera R$ 2 e a gasolina voltou a ser vantajosa para quem possui carros flex. Em entrevista à DINHEIRO, Marcos Jank, presidente da Unica, a associação que representa o setor, atribui o problema a fatores climáticos e afirma que, se o preço da gasolina continuar “artificialmente” administrado pelo governo, o setor do etanol estará condenado.

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