A participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na mais recente tacada do empresário Abílio Diniz é injustificável. Depois de negar durante várias semanas, Abílio Diniz teve de revelar finalmente que estava negociando a fusão da rede de supermercados Pão de Açúcar com a filial brasileira do grupo francês Carrefour.
A megafusão só pode se concretizar com a participação financeira do BNDES, que prometeu entrar com € 2 bilhões no negócio por meio da BNDES Participações (BNDESPar), o seu braço de participações acionárias. Não haverá financiamento a juros subsidiados. Se o negócio for concretizado, o BNDES vai ter 18% da nova empresa e vai entrar no ramo de venda de frutas e verduras.
O governo, por meio do BNDES, pode e deve apoiar a capitalização das empresas, quando isso for justificável, o que não parece ser o caso da criação do Novo Pão de Açúcar (NPA).
Em primeiro lugar porque a operação irá capitalizar uma empresa estrangeira, o Carrefour, em dificuldades, é verdade, mas que tem capacidade de obter recursos no mercado internacional. A BNDESPar participa do capital de cerca de 150 empresas, totalizando R$ 90 bilhões, mas elas são eminentemente de capital nacional.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, defendeu a participação do BNDES no negócio atacando os bancos brasileiros. "Tudo seria resolvido se o setor financeiro privado do Brasil fizesse o papel dele, que é financiar o capital brasileiro. Como ele não faz isso, o BNDES tem de atuar", afirmou.
A crítica não se justifica porque está na operação o banco brasileiro BTG Pactual, que se juntou às discussões há pelo menos um mês e deverá entrar com cerca de R$ 700 milhões, que lhe garantirá 3,2% do capital do NPA, além de acenar com mais R$ 1,1 bilhão em crédito.
Outro motivo que põe em dúvida a operação é a reação contrária do Casino, o que significa uma incerteza jurídica. Sócio do Pão de Açúcar desde 1999, o grupo francês Casino aumentou sua participação em 2005, quando selou um acordo de acionistas que lhe garantiu a possibilidade de exercer uma opção de compra que lhe daria o controle do negócio brasileiro em 2012. Se Diniz for bem-sucedido, além de não obter o controle, seu sócio francês será diluído. O Casino não deve jogar a toalha facilmente e até já contratou o advogado criminalista José Carlos Dias para reforçar o batalhão de especialistas jurídicos que duelam no caso, desde que os franceses descobriram a "traição", há cerca de um mês, e entraram na Justiça com um pedido de arbitragem.
Os argumentos apresentados pelo BNDES para entrar no negócio não são sustentáveis. A operação não cria uma multinacional verde-amarela, como argumentam os formuladores da operação. O controlador de fato do novo negócio será o Carrefour francês, embora a proposta preveja que a administração das duas redes de supermercados no Brasil ficará a cargo de pessoas indicadas pelo Novo Pão de Açúcar, a empresa que terá como principais acionistas Casino, BNDES, Abilio Diniz e BTG Pactual. As regras contábeis internacionais IFRS, usadas na Europa e no Brasil, determinam que uma empresa só pode consolidar os números de uma aquisição se controlar, de fato, a empresa. Na prática, o Carrefour francês deverá controlar o Pão de Açúcar, que, por sua vez, terá o Carrefour Brasil como subsidiária integral.
Possivelmente o principal motivo para o BNDES não apoiar essa operação é a concentração de mercado que ela proporcionará, com impacto negativo sobre a cadeia de fornecedores e consumidores e sobre a competição, sempre necessária no combate à inflação.
Se o negócio se concretizar, o Pão de Açúcar vai dominar 32,2% das vendas do mercado brasileiro de varejo, com ampla distância em relação ao segundo colocado, o Walmart, que tem 11,1% do mercado. Os demais participantes ficariam com 56,7%. Ao defender a fusão, os envolvidos argumentam que, em outros países, a concentração também é grande. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Walmart tem 32% do mercado; na França, o Carrefour domina 26%. Nada recomenda, porém, que se reproduzam no Brasil os mesmos índices, que aliás serão muito maiores em alguns Estados. Quanto maior for a concorrência no varejo, melhor para um país cujo histórico de hiperinflação exige extremo cuidado com essa matéria.
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